Cyborg: organismo dotado de partes orgânicas e cibernéticas, geralmente com a finalidade de melhorar suas capacidades utilizando tecnologia artificial. O termo deriva da junção das palavras inglesas cyber(netics) organism, ou seja, "organismo cibernético". Foi inventado por Manfred E. Clynes e Nathan S. Kline em 1960 para se referir a um ser humano melhorado que poderia sobreviver no espaço sideral. - Wikipédia
Cyborgs já são uma realidade entre nós, eu e você que me lê, somos cyborgs. Não me refiro aquela visão idealizada de filmes e séries de ficção científica, mas já vivemos a realidade de possuir extensões tecnológicas de nossos corpos e mentes há muito tempo. Na verdade, desde a pré história, o homem foi capaz de se apropriar de ferramentas para modificar suas limitações físicas. Mas aqui iremos discutir um pouco mais sobre a realidade atual, onde não só conseguimos fazer melhorias físicas em nossos corpos através da tecnologia, mas principalmente, somos capazes de ampliar nossas mentes e nossa presença no mundo a partir do uso dessas tecnologias.
Nas sociedades onde a tecnologia se tornou parte da rotina, acabamos negligenciando o quanto algumas máquinas se tornaram extensões de nós mesmos. Essa é uma conversa antiga, que já foi bastante discutida por diversos autores. No entanto, cada vez mais a tecnologia vem avançando e trazendo novas perspectivas a respeito de nossa própria interação com o mundo virtual e real. A diferença entre esses dois mundos vem se tornando cada vez mais tênue. E precisamos ter em pauta as questões acerca do que fazemos com tantas possibilidades a nossa volta.
A tecnologia está nos envolvendo enquanto nós nos tornamos uma versão de Homo sapiens olhadores de tela e clicadores de botão. - Amber Case, Cyborg Antropology.
A palestra de Amber Case no TEDTalks traz alguns olhares a respeito do que estamos falando:
O livro de Marshall Mcluhan “Os meios de comunicação como extensões do homem” (1964), escolhido para desenvolver a análise que apresento neste texto, é definitivamente datado e ultrapassado. Desculpe Marshall, mas é verdade. No entanto, as ideias e conceitos apresentados são muito relevantes para entendermos a influência do meio em nossas relações. O capítulo que abordo nesta análise é o primeiro do livro “O meio é a mensagem”. Claro que não havia como o autor prever as inúmeras mudanças e questões que a sociedade iria enfrentar diante de tantas novas tecnologias que surgiram. A abordagem do capítulo em questão acaba por falar muito mais sobre linguagem do que propriamente sobre tecnologia. Escolhi enviesar o contexto para ilustrar alguns dos pontos relevantes do conteúdo e assim pensarmos um pouco além do que foi colocado ali.
As consequências pessoais e sociais de qualquer meio - ou seja, de qualquer extensão de nós mesmos - constituem o resultado do novo estalão introduzido em nossas vidas por uma nova tecnologia ou extensão de nós mesmos. (.pg21)
Mcluhan defende que o que constitui de fato a mensagem e seu significado não é a máquina, mas o que se faz com ela. A ideia apresentada na frase “o meio é a mensagem”, é a de que o que importa de fato é o conteúdo em si, e não a forma como ele chega. Seu suporte é “invisível” já que sua mensagem é percebida primeiro.
O autor questiona o narcisismo dos seres humanos e sua eterna mania de culpar qualquer outra coisa que não a si mesmos. Ele questiona a constante ignorância da natureza do meio. Mas é o que fazemos com o que criamos que determina sua natureza? Uma arma tem apenas uma única função, matar. Independente de como ela é usada, seu resultado é apenas um. “Qualquer tecnologia pode fazer tudo, menos somar-se ao que já somos” (.p26). A natureza do homem não é modificável pela tecnologia, mas nossas relações sociais o são, constantemente e cada vez de maneira mais acelerada.
Mudamos nosso comportamento e a maneira como observamos o mundo, trazendo resultados infinitos para as sociedades em que estamos inseridos. A tecnologia não possui juízo de valor, somos nós, humanos cyborgs, que damos significado ao mundo a nossa volta.
Aqui tem uma entrevista de fucking 43 minutos em 1977 com Marshall Mcluhan, pra quem quiser se aprofundar em sua visão:
Um objeto se torna parte de sua mente quando você consegue usá-lo facilmente, quase sem pensar. Quando você usa uma caneta, não precisa pensar que a está segurando na mão. Você foca na tarefa que está fazendo, vê além da caneta. Não é fácil dizer quanto nosso cérebro é responsável por um trabalho que fazemos usando livros, computador e internet. O importante é que o cérebro nos impulsiona para criar esses objetos e usá-los como extensão de nossa mente. - ANDY CLARK em entrevista para revista Época (Somos todos Cyborgs. Jun,2009)
O quanto nossos celulares já fazem parte do nosso corpo? Muitos de nós estão com eles à mão o tempo todo. É a primeira coisa que pegamos quando acordamos, e o mantemos próximo na hora de dormir. São extensões de nossa mente e de nossa personalidade.
Afinal, smartphones são capazes de contar uma história muito mais íntima sobre você do que seu melhor amigo. Nenhuma outra peça de hardware da história da humanidade, nem mesmo seu cérebro, contém a qualidade e quantidade de informações de que seu celular dispõe: ele “sabe” com quem você conversa, quando você conversa com as pessoas, o que você fala, onde você esteve, sabe de suas compras, fotos, dados biométricos, até mesmo as observações que você faz para si mesmo – e tudo isso desde alguns poucos anos atrás. Em 2014, a Suprema Corte dos EUA usou essa observação para justificar uma decisão de que a polícia deveria dispor de mandado antes de vasculhar nossos smartphones. Pois agora esses dispositivos “são parte tão invasiva e insistente em nossa rotina que um marciano em visita à Terra pensaria que se trata de uma parte de nossa anatomia”, observou o Presidente da Suprema Corte John Roberts em seu artigo de opinião. - Karina Vold em artigo da Vice (Seu smartphone é uma extensão da sua mente?)
A verdade é que a discussão dos efeitos e possibilidades da tecnologia e do mundo virtual podem se estender infinitamente, e esta análise que escrevo pretende apenas trazer alguns apontamentos interessantes a respeito do assunto. Não irei me aprofundar demais nas questões que coloco aqui, mas sinta-se a vontade para me chamar pra filosofar a respeito do assunto. Além do que, tenho certeza que o Bonelli não vai ler tudo que escrevi, e não vou me aprofundar em falar comigo mesma a respeito desse assunto. - Oi Bonelli, duvido deixar um comentário aqui.
As fontes utilizadas nesse texto estão logo ali em baixo. Mas para encerrar nossa conversa, quero deixar um questionamento que vem me incomodando:
Nossas mentes podem ser copiadas? No episódio Be right back de Black Mirror, nos é apresentado uma realidade onde uma mulher que perdeu o marido recentemente, adquiri um aplicativo que usa o banco de dados de todas as interações virtuais do marido falecido e “recria” sua personalidade permitindo que ela “converse com ele”.
Eugenia kuyda, engenheira russa, desenvolveu o app Luka. Que faz exatamente isso, reúne os dados virtuais de uma pessoa falecida e cria um ambiente simulado utilizando inteligência artificial para responder mensagens como se fosse a pessoa morta. A questão é, o quanto essa simulação de nós mesmos pode ser considerada real?
Você usaria esse app se perdesse alguém querido? Você gostaria que usassem com você depois da sua morte?
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Referências:
Livro Os meios de comunicação como extensões do homem, Marshall Mcluhan (1964)
Já somos todos cyborgs - Henrique von Atzingen, Voicers 2017
Seu smartphone é uma extensão da sua mente - Karina Vold, Vice 2018
Somos todos Cyborgs, entrevista com Ancy Clark - Marcela Buscato , Época 2017
Luka, artificial intelligence memorial Roman Mazurenko bot - Casey Newton, The Verge
Vídeo Ted Talks - Amber Case: We are all cyborgs now
Vídeo Entrevista com Marshall McLuhan (1977)
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